5º Camp. de Kendô de Vitória
Participar do campeonato de Kendô este ano foi completamente diferente do que eu esperava. Sempre participei de campeonatos de judô dos meus filhos, quando eram crianças. O espírito de competição era muito presente entre os participantes, talvez isso me afastou das artes marciais como prática pessoal toda a minha vida. No campeonato de kendô eu não vi competidores, vi pessoas de diferentes Estados brasileiros, dos mais variados costumes e modos de falar a mesma língua, compartilhando os mesmos valores, princípios e objetivos.
E se a partilha entre os pares foi enriquecedora, o que dizer dos grandes mestres, que tão generosamente compartilhavam conosco um pouco do muito que sabem sobre esta arte marcial japonesa ancestral? De fato, kendô é fazer amigos com sinceridade, sou muito grata por ter visto, escutado e aprendido tanto em tão pouco tempo. Arigato Gozaimasu.
Dianni
Como participante do evento e membro do dojo anfitrião, tive opotunidade de me envolver e aprender sobre algumas dificuldades e as realizações do evento.
Em primeiro lugar, o empenho que vi junto aos colegas e ao sensei do dojo, que mesmo com as dificuldades do dia a dia, a falta de tempo e o orçamento apertado, não deixaram a “peteca” (ou seria “a shinai”!?) cair e mostraram que mesmo um pequeno dojo pode contribuir muito, e com qualidade, para nosso esporte. Sinto muito orgunho e agradeço por participar deste dojo.
Em segundo lugar, o empenho dos participantes, com os treinos, muitas vezes exaustivos, com deslocamentos e principalmente com o desejo comum de que tudo ocorrece bem, seja ajudando os demais nos treinos, se forçando ao máximo mesmo com o forte calor nos dias do evento, seja no respeito e atenção demonstrado por cada um aos senseis presentes. Foi uma semana dura, de treino e cooperação, porém, cheia de recompensas e boas memórias.
Acredito que o primeiro sentimento que tive a respeito de todo o evento foi o de curiosidade, pois apesar de treinar há alguns meses, a imersão que tive nos dias do evento (e os que o antecederam) foi algo incrível. Muitas coisas novas, novas rotinas de treino, novas informações, novas pessoas e com isso também novos sentimentos.
Um deles foi o de empatia, todos os participantes se mostraram muito empáticos e colaborativos (posso até dizer que foi um dos ambientes mais colaborativos em que já estive). Mesmo tendo que se concentrar em seus exames e demais responsabilidades do evento, sempre tiravam algum momento para ajudar os colegas menos experientes.
Outro sentimento muito interessante que me acometeu foi o da insegurança – ao saber que estava escalada para lutar com outras colegas – mas ele se transformou em realização, por ter conseguido vencer meus medos e ter tentado dar o meu melhor nas lutas.
O último sentimento do qual me recordo é o de pertencimento, pois ao presenciar tudo aquilo e poder aprender tanto com os senseis e colegas presentes, tive ainda mais vontade de continuar no caminho da espada e abraçar com mais motivação os treinos.
Por fim, me recordo de uma frase que li quando ainda pesquisava sobre a prática: “Kendo reside na combinação entre respeitar e ser agradecido (…)”. Hoje posso dizer que consigo entender, ao menos um pouquinho, o seu significado.
Sabrina
Há varias coisas sobre as quais gostaria de falar. Acho que seria importante falar sobre as lutas, uma vez que é para estes momentos que sempre nos preparamos nos treinamentos.
Na primeira luta enfrentei um oponente bem maior e mais forte fisicamente que eu, por isso ele tentou se valer dessa vantagem, mas seus golpes não eram tão difíceis de bloquear, apesar de serem muito pesados. Ele tentou acertar várias vezes meu do, mas me acertava sempre bem acima do alvo, o que acabou me machucando bastante. Achei que em alguns momentos a luto ficou muito truncada e taiatari com os braços muito altos desgastou demais. Consegui fazer com que ele saísse duas vezes da área de luta, percebe que conseguiria outras vezes, mas não quis “apelar” para isso. A luta prosseguia e não se resolvia. Fui aos poucos buscando me acalmar e quando ele se descuidou do seu kote apliquei o golpe. Achei bem interessante que pude visualizar bem a abertura com bastante clareza. Assim, apesar de executar o golpe bem rápido tive a impressão de que naquele momento as coisas meio que ficaram em câmera lenta (viagem da minha cabeça?).
Na segunda luta, mais uma vez peguei um adversário bem mais alto e forte que eu, seus golpes eram igualmente bem pesados, tive os mesmos problemas da primeira luta. Também tive facilidade em empurrá-lo para fora da área de combate, contudo não quis novamente recorrer a isso, sabia que precisava ganhar volume de luta, adquirir mais experiência, e tentar resolver a luta sem utilizar golpes de shinai propriamente ditos não iriam contribuir pro meu aprendizado. Era uma oportunidade de testar o que vinha aprendendo, então, precisava disso. Mesmo no calor do momento, conseguia pensar em várias coisas relacionadas ao combate, da mesma forma como ocorreu na primeira luta, tentei organizar os pensamentos e me concentrar em um golpe. Busquei ao máximo não desperdiçar energia com movimentos que sabia que não iriam funcionar. Senti que atacar kote/men em sequência seria uma boa estratégia, o que acabou dando certo. Pude perceber com essas duas lutas e observando as demais dos mais graduados a diferença de nível que nos separa. Em vários momentos em que a luta estava muito truncada tentava aliviar e me afastar para preparar o próximo golpe.
Desse mondo, em ambas as lutas tive a sensação de que poderia vencer, se ficasse calmo e conseguisse conter o ímpeto bruto dos dois adversários.
Já na terceira luta fui bastante confiante, mesmo com a adrenalina a mil. Não confiante no sentido de que iria ganhar, mas que não perderei tão facilmente. Ou que teria condições de lutar de igual pra igual. Mais uma vez, um companheiro maior e mais forte, e bem mais jovem que eu, e bem melhor tecnicamente que os anteriores. Busquei a mesma estratégia kote/men. Tentei usar várias vezes o recurso de respirar e me acalmar. Só que o corpo não estava respondendo devido ao cansaço. Apesar de conseguir organizar meu raciocínio, percebi que mesmo não tendo uma técnica, ou preparo para aplicar golpes efetivos conseguiria segurar a luta, só que, pra minha surpresa, não só bloqueava os movimentos, mas respondia a altura. Devido ao desgaste, já no final, não conseguia preparar um men que fosse efetivo. Dessa forma, assim como na primeira luta, consegui acertar um kote. Ou seja, valeu a pena estudar o combate nas primeiras lutas, conhecer o ambiente, o formato da competição, me conhecer, pra de certa forma entender o que seria viável fazer (mais viagem da minha cabeça?).
Na última luta, também tive um bom sentimento quanto ao seu desenrolar. Sabia que poderia desenvolver bem, fui confiante no meu potencial, mesmo cansado e tendo acabado de lutar, não queria perder a energia do momento e já queria começar logo. Sabia que não iria simplesmente “apanhar”, e, pra variar, meu oponente era também bem maior e mais forte que eu e muito melhor tecnicamente também. Mas ele não se valia apenas disso, estava com espírito de luta bem presente! Busquei a mesma estratégia das lutas anteriores. Essa luta foi bem menos truncada e havia um certo “respeito” entre as partes, ou seja, um certo acordo em que não ficaríamos só no taiatari e buscaríamos um golpe mais preciso, assim ficamos num seme mais “honesto”.
Ao terminar minha participação não fiquei chateado por ter perdido, antes dessa ultima luta estava profundamente emocionado por estar ali fazendo parte daquilo tudo. Acho que um combate de Kendo é como um diálogo sem palavras no qual tentamos argumentar com golpes e mostrar para nossos companheiros seus pontos fortes e pontos fracos, assim todo mundo sai fortalecido.
Jorge
E mais uma vez realizamos nosso evento anual em Vitória. Hora de rever amigos, fazer novas amizades e aprender, aprender muito. Esse ano o que ficou mais evidente para mim foi um sentimento: superação. O evento ocorreu ao mesmo tempo em que eu passava por um momento difícil em minha vida pessoal. A verdade é que a alegria de participar dos seminários e evento com tantos Sensei que admiro se misturou com uma certa angústia e preocupação com assuntos familiares delicados. Foi difícil focar 100% no keiko. Na noite anterior ao evento, onde prestei o exame para shodan, os queridos Sensei Kataoka e Thierry ficaram muito ao meu lado, e corrigiram muita coisa. Postura… Ashi Sabaki… Men Uchi…. Confessor que o psicológico abalou. Foi hora de ir pra casa e tentar colocar a cabeça no lugar. No dia seguinte, foi tentar esquecer as preocupações, tanto com os aspectos do kendo quanto assuntos externos a ele. Era momento de dar meu melhor, e esperar pelo que viesse. Ao final, entre erros e acertos, deu tudo certo. Foi um momento de entrega. Após passada essa experiência pude refletir muito. Pude refletir que assim como no kendo, na vida nós precisamos nos entregar a tudo que fazemos e dar nosso melhor. Pode ser que o sucesso não ocorra de forma imediata, mas se não for errando, como podemos um dia alcança-lo?
Além disso, sou muito grato, do fundo do coração, aos Senseis que dispuseram do seu tempo para me ensinar. E se os queridos Sensei Kataoka e Thierry (assim como outros) ficaram tanto ao meu lado, tentando corrigir meus erros na véspera do evento, é porquê eles acreditam no meu desenvolvimento no kendo. Pra mim foram momentos ótimos. É sempre emocionante chegar ao final do evento e ver que, entre falhas e acertos, pudemos contribuir com o desenvolvimento do kendo Espírito Santo e no Brasil. Meu profundo agradecimento a todos os amigos que estiveram ao meu lado nesses dias.
Lucas
A pior experiência que já tive no Kendo, de longe! Tudo começou há uma semana antes quando contraí uma gripe com inflamação da garganta. No primeiro semestre do ano treinava três vezes por semana, mas nesse semestre, não pude treinar de segunda a sexta-feira, somente sábado, porque além das aulas que dou que começam muito cedo todo dia no segundo semestre do ano, estou no meio do doutorado, também assistindo aulas, com trabalhos para fazer, etc. Exatamente na semana do evento, fui treinar uma só vez na quarta-feira, no treino com Kataoka sensei e Asaki sensei, mas não consegui terminar. Depois desse dia não fui a nenhum outro treino até o dia do exame.
No dia do exame, estava ruim ainda, totalmente esgotado, sem força, sem energia. Participei do treino rápido de manhã, repassando os kata com kodachi, que só havia treinado uma vez antes. Depois foram os exames, e sinceramente, estava certo de que não ia passar. Mesmo assim, já que estava lá, iria me aplicar. Acho que a única parte que ficou mais ou menos foi o kirikaeshi, o resto, muito ruim. Na hora do shiai, não conseguia aplicar os golpes, nem demonstrar muito bem nenhum waza, e percebi que os sensei da banca esperaram bastante tempo para avaliar. Após passar essa parte, que achei que já estava reprovado, foi o momento dos kata. Fiquei de uchitachi. Em particular, o roppon-me com tachi e o sanbon-me com kodachi foram horríveis. No roppon-me, fiz o kote por baixo, e no sanbon-me paralizei antes de dar o primeiro golpe, porque havia esquecido completamente. A banca pediu para repetir o sanbon-me, e então consegui completar. Definitivamente, depois dessa, achei que reprovaria. Mas daí, fomos todos chamados para fazer a prova escrita, então, pelo menos nessa parte não tive dificuldades. Só fiquei sabendo na hora que haveria também seminário de shinpan, que eu teria que participar. Inacreditável. Com isso, eu estava quase decidido a ir embora, sem participar do campeonato, pois não tinha mais nada para dar aquele dia.
Fomos almoçar, e permaneci para o campeonato. Pensei que pelo menos deveria aproveitar que já estava lá, e ver o fim de tudo, e se possível, pelo menos confraternizar com todos os que vieram, e também honrar todo o trabalho que todos do Katidoki tiveram para ajudar a organizar o evento. Sendo assim, lutei três shiai, e ajudei um pouco na troca de fitas e na mesa. Já não aguentava mais nada. Ainda ocorreu a competição em equipe, e desejava perder logo a primeira, para não precisar mais lutar, mas acabamos indo até a final.
Deu-se o encerramento, e ajudei um pouco a levar as coisas para o nosso dojo na UFES, e resolvi ir embora, pois não aguentaria ficar para a confraternização que seria às 21h. Despedi de alguns, e já não estava racionando direito há muito tempo, com as vias congestionadas, dor de cabeça, meio febril, e fraqueza no corpo. Enfim, essa foi a pior experiência que já tive no Kendo. Sinto muito por terem lido isso, e espero que todos tenham tido a experiência inversa, e eu não tenha desanimado ninguém.
Enfim, após essa experiência, e ter que escrever sobre ela, espero reescrever uma melhor história da próxima vez, e se possível, apagar essa da memória. Vai ser muito trabalho agora, e em muitas coisas terei que voltar ao básico para consertar, o que vai demandar um esforço tanto físico quanto mental.
Não comentei aqui sobre o que vi de todos os colegas do Katidoki. Sei que dos que eu vi, alguns tiveram um ótimo desempenho para quem acabou de passar para ikkyu. Parabéns pessoal! Ganbatte! Foi bom ver e rever todos kenshi que foram, e também o Thierry sensei, Goto sensei, André sensei, Asaki sensei, Kataoka sensei, e Toida sensei.
Abraços,
Frederico
Marcas no evento e do evento: acho que tanto um quanto o outro termo se enquadram perfeitamente à experiência vivida nos dias 24 e 25 de novembro. As marcas adquiridas no evento foram as bolhas, hematomas, calos, e algumas dores musculares. O desconforto físico, entretanto, é transitório e some com o passar dos dias.
As marcas adquiridas do evento não! Estas podem ser assimiladas como valorosos aprendizados, verdadeiras lições.
Dentre as várias lições vislumbradas no evento posso citar as que mais me chamaram a atenção.
O respeito, por exemplo, é pregado como característica basilar ao praticante do kendo: deve-se respeito aos senseis, que viajam centenas e até milhares de quilômetros para ensinar de forma gratuita; e também deve-se respeito aos colegas de treino, pois estes muitas vezes abdicam, por exemplo, de um precioso tempo com suas famílias, ou dos afazeres do dia a dia, pelo compromisso com os treinos de kendo.
A coragem pregada não é menos importante, afinal, nos foi ensinado a não exitar e golpear, buscando sempre o Ippon, sem nos esquecermos do Semê, que demonstra a intenção “ofensiva” no golpe a ser aplicado, e do Zanshin, que demonstra estarmos alertas mesmo após a aplicação do golpe. Com bravura devemos buscar sempre o golpe perfeito ( Yuu-koo Datotsu).
Não podemos esquecer também de citar a necessidade de muita dedicação. Acho que os senseis ficam bastante descontentes ao perceber que, apesar de seus esforços, não se nota evolução no kendo de um Kenshi. Assim, é imprescindível bastante atenção aos ensinamentos e dedicação para que se busque assimilar o aprendizado e não decepcionar aqueles que gratuitamente ensinam. Ouvir é importante. Assimilar o aprendizado e aplicar mais ainda!
Complementando a qualidade acima, somente com muito compromisso conseguimos alcançar a evolução dentro do Kendo. Devemos assumir a obrigação de nos esforçarmos o máximo possível; não para buscar ser o melhor entre os praticantes, mas sim para estarmos sempre bem preparados e evoluindo.
Em suma, a prática do Kendo neste evento me proporcionou vislumbrar muitos valores. Espero sempre conseguir aplicá-los nos treinos e em futuros eventos.
Welber
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